top of page
Buscar

Gustavo Martins e Osvaldo Souza

Universidade Federal Fluminense


Artigo publicado:

MARTINS, Gustavo de Oliveira, SOUZA, Osvaldo. A ideia de conceito e partido na Arquitetura: A importância do conhecimento das tipologias estruturais na concepção espacial e no desenvolvimento da modelagem associada à capacidade criativa. In: XAVIER, Ivan S. L.; NUNES, Denise V.; CARVALHO, Rubens M.R.; LAMOUNIER, Alex A.; MOREIRA, Clarissa C. Seminários EAU-UFF. (Organizadores) Em tempos de Pandemia. Experiências em Ensino, Pesquisa e Extensão. Rio de Janeiro: Rio BooKs, 2020. 318p.


Introdução De maneira geral, a visão positivista que circunscreve a ideia do processo de projeto, tende a destacar a separação do discurso intrínseco da arquitetura e da engenharia. Toda essa construção massivamente presente na academia, tem forjado a formação acadêmica da Engenharia Civil e da Arquitetura e Urbanismo, levando por parte dos profissionais, arquiteto e engenheiro, na grande maioria das vezes, à visões, não errôneas, porém, distintas do processo de projetação. Por muitas vezes, cabe ao arquiteto, conceber a estrutura como elemento de concepção volumétrica e estética e ao engenheiro, como elemento de estabilidade da edificação. E, portanto, é evidente que estes olhares distintos, definidos pelas suas diferentes formações acadêmicas, não constituem uma condição ideal ao bom desenvolvimento de um projeto em sua totalidade. A arte de criar a forma, demanda do arquiteto o entendimento inerente à estrutura, à funcionalidade, a condição estética e cultural. Portanto, a visão deste profissional transcende a estabilidade estrutural. Este artigo objetiva apresentar, não somente a relação que existe entre a forma, o espaço arquitetônico, o material e a estrutura, como também, fundamentar que a arte pode e deve ser materializada a partir das ciências, quando esta contribui para uma visão existencialista do processo de projetação, e nesse contexto, fazer coexistir disciplinas antes entendidas distintas e vazias de valor simbólico e humanista. Portanto, a primeira parte do texto, concentra-se em desenvolver a reflexão sobre o processo de projeto arquitetônico a partir de um viés existencialista, destacando que o ato de projetação acolhe diversas possibilidades conceituais e consequentemente faz de elementos como a luz, a forma, os materiais e a própria estrutura a essência de gatilhos criativos voltados ao processo de projeto. Já a segunda parte, abriga a experimentação de um processo metodológico de construção da forma, adotado na disciplina de Fundamentos Modelagem Sistemas Estruturais, e tomando como partido o conhecimento das ferramentas da construção estrutural e a solidificação das ações humanas, quando parte do processo de concepção das estruturas. 1. O céu de Florença O processo de projeto em Arquitetura e Urbanismo é diverso, pois se apropria de um conjunto de abordagem heterogêneas e plurais, já que não existe um único método na sua concepção, porém, sua conduta é coberta por visões de mundo e por experiências carregadas de nós mesmos. O arquiteto, possui um importante papel nesse contexto contemporâneo, pois suas escolhas materializaram não mais o abrigo antigo da pré-história, ou a construção somente prática tão difundida na Antiguidade e Idade Média. A arquitetura ganha outra dimensão, elementos e ferramentas. Para entender esse momento contemporâneo do discurso arquitetônico no processo de projetação, será necessário retomar a um ponto específico da história das artes e da arquitetura, um momento extraordinário, que sintetiza o potencial do processo de projeto, como também o conceito arquitetônico, travestido de desejo. No Século XV, desde Alberti, as artes não são mais consideradas como diferentes atividades técnicas, mas como uma atividade intelectual única, que tem ramificações na pintura, na escultura e na arquitetura. A ideia de projeto, assim como a ideia de desenho, ganha amplitude como ideia de projeto arquitetônico, onde arte é um pouco o símbolo ou modelo de uma atividade de projeto, ou de uma vontade de projeto que se manifesta, não somente nas artes, mas em todas as atividades humanas, em toda a cultura. Porém, esta não é uma condição que existiu desde sempre, pois muitos historiadores e teóricos da Arquitetura e Urbanismo, como Argan (1999, p.99), apresentam esse corte entre construção e desejo, de maneira muito específica e através de uma importante passagem da história da Arquitetura: o concurso para a Cúpula da Catedral Santa Maria Del Fiori, em Florença na Itália. 1.1. O desejo e o Arquiteto Em 1408, Brunelleschi justifica sua abordagem projetual em concurso realizado para o desenvolvimento do projeto da cúpula da catedral de Florença, onde apresenta seu conceito para a obra da cúpula, afirmando que seu projeto, surge do pressuposto desejo de se fazer desta estrutura o extraordinário céu de Florença. Percepção esta, fruto de sua visão e sentimento sobre o aspecto emocional da atmosfera do Renascimento e do caráter do lugar. A atmosfera predominante, e amor pelas artes, cidade e sua gente, fez Brunelleschi voltar o partido de projeto arquitetônico para a busca de uma solução técnica e estrutural que permitisse a ele fazer prevalecer a imageabilidade desejada, a partir da criação de um sistema estrutural inovador para sua época, revertendo a tradicional estrutura interna de arcos em viga, formando duas calotas (uma dentro e outra para fora do interior da Igreja), permitindo que a imagem reproduzida na superfície da cúpula se apresentasse internamente de maneira, absolutamente, comovente. Ao unificar o primeiro plano, o plano médio e as vistas mais afastadas, Brunelleschi vincula a perspectiva ao detalhe físico da estrutura. E assume compromisso de fazer com que sua estrutura, conscientemente envelopada, permitisse que a arte contida na essência de sua construção prevalecesse, e cumprisse com sua função humanista, enquanto a técnica criava condições para que o homem encontrasse Deus. Assim, mais adiante, e de maneira mais evidente a sociedade assume sua figura associada a uma civilização do projeto, onde toda a cultura é considerada como um projeto, e essa nova condição civilizatória caminhará até os dias atuais. 2. A cultura do Projeto Não existe cultura que não seja um projeto de cultura, e a atividade de projeto, é considerada como fundamental e estruturante para toda a atividade humana. Esse pressuposto é fundamental, e deve-se associar a gestos também voltados a abordagens experienciais e não somente, as abordagens de pressupostos positivistas, contidos nas ideias do projetar arquitetura a partir de valores meramente racionais. Também é importante pensar e ser arquitetura, pois o entendimento existencial de uma conduta arquitetônica não a restringe ao processo de se projetar somente a partir de uma ação voltada a responder estímulos cognitivos. Ambas são interessantes de coexistirem e colaborarem. 2.1. A experiência fenomênica A experiência e a sensibilidade podem evoluir mediante a análise reflexiva e silenciosa, e os arquitetos devem se abrir à percepção e transcender a urgência mundana das coisas, tentando dar ênfase à sua maneira de ver as coisas através da percepção e assim, revelar a intensidade do mundo. O desafio da arquitetura, consiste em estimular tanto a percepção interior como a exterior, em realçar a experiência fenomênica enquanto, simultaneamente, se expressa o significado, e desenvolve esta dualidade em resposta às particularidades do lugar e das circunstâncias. Este processo da percepção deriva dos sentidos do indivíduo (sentidos incorporados do observador) aqueles que identificam e selecionam os aspetos do espaço, originando as sensações e emoções que acabam por fornecer carácter aos objetos presentes ao espaço. Essa sensação, permite obter as informações de um meio, através da detecção de um estímulo, processando a informação e determinando a percepção deste. Também faz referência a um conhecimento ou a uma ideia resultante dessa impressão gerada pela experiência. Portanto, é natural entendermos que todo este círculo perceptivo se configura como uma espécie de processo, em que a informação que se consegue interpretar, forma uma ideia de um objeto, a partir de um meio, em um espaço. Ou seja, é possível absorver atributos diferentes desses objetos, e espaços, mas pelo meio da percepção, determina-se a sua característica ou carácter essencial. Paralelamente a esse entendimento percebe-se que a perspectiva do indivíduo que faz parte dessa experiência é fundamental para detecção de elementos que caracterizam o processo de projetação como uma espécie de gatilho criativo ou fagulha da ação. Em entrevista dada em 2000 ao repórter Alejandro Zaera-Polo, no periódico Espanhol “El Croquis 68,69+95”, o arquiteto português Álvaro Siza Vieira diz que para ele, a “memória” funciona como importante gatilho no seu processo de trabalho: “(...) parece existir um forte componente de relação com o passado, através da memória. A formação, o nível de desenvolvimento do próprio autor, é imprescindível para resolver a implementação gradual do conhecimento – e para desenvolver o processo de racionalização e comunicabilidade, que é algo específico do projeto, dentro da produção da arquitetura. A espontaneidade não cai do céu; ela é, de fato, uma montagem de informações e conhecimentos, conscientes ou subconscientes. ” Portanto, para Siza Vieira, cada experiência projetual é fruto de acúmulo de conhecimento e vai fazer parte da solução seguinte no processo de projeto do arquiteto. Em seguida, na mesma entrevista, Siza fala como relaciona o processo de projetação em arquitetura, com o processo de criação nas artes: “(...) gosto muito do modelo da arte para explicar o projeto de arquitetura. Assisti a alguns documentários sobre Picasso que mostram que a gênese de suas obras vem de um traço que não contém uma ideia previamente definida, mas atua como fagulha da ação. “ 2.2. Aquilo que me circunscreve Dentre diversos métodos possíveis de serem trabalhados na concepção do projeto Arquitetônico, essa discussão também trata daqueles que materializam as ideias através do estímulo perceptivo, proveniente da experiência e gerado a partir de gatilhos criativos. Ou seja, entender o processo de criação sem pressupostos dogmáticos. Essa premissa do entendimento do processo de projeto, faz de quem experiencia importante “figura” nesse contexto, pois este, à medida que adquire novo conhecimento ou informação, por exemplo, de um determinado espaço, altera seu entendimento, e o ressignifica constantemente. Ou seja, a vivência e experiência estão em constante avanço, determinando assim, vários níveis de informação ou imagens que chegam ao cérebro, onde se estruturam e organizam, e atualizam continuamente, as representações do mundo. Portanto o arquiteto, sem dúvida (como indivíduo), se caracteriza como peça-chave nesse tipo de abordagem. 3. A arquitetura e a abordagem fenomenológica Através da função cerebral que a cognição ganha sentido e faculta ao indivíduo o significado das coisas que se vê, sente, cheira, ouve, toca e experiência o espaço, como afirma Zumthor. Por outro lado, o mundo exterior, ou o carácter de um espaço ou lugar não é somente fruto da qualidade visual. O seu carácter ambiental é considerado, tal como salienta Juhani Pallasmaa (2013, p.15), uma fusão conjunta de inúmeros fatores. A atmosfera do espaço, os sentimentos, as sensações e a disposição do ser humano, estão sempre em sintonia. A atmosfera do espaço ou a sua ambiência é um conceito intangível e abstrato, é feito de um conjunto de estímulos perceptivos pela pessoa ao experiência-lo. A pessoa, portanto, vai tomando então consciência do espaço que a incorpora e se funde a ele. Nesse sentido, é possível dizer que, o quanto mais nos aprofundamos e vivenciamos verdadeiramente o espaço, mais fazemos parte do mesmo e assim talvez tenhamos a possibilidade de projetar espaços mais humanizados, o que vem de encontro com as primeiras impressões desse texto. A partir desta visão de mundo, é possível se afirmar que a fenomenologia pode ser utilizada para se fazer uma descrição rigorosa do mundo vivido da experiencia humana e com isso, através da internacionalidade, como sugere Holzer (1997, p. 77), reconhecer as essências da estrutura perceptiva. A noção de fenomenologia de acordo com o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa se define como aquela atitude de reflexão que trata sobre os fenómenos daquilo que aparece e se mostra ao ser humano pelos sentidos. Portanto, sua estrutura é definida pela experiência do ser humano e pelo estudo consciente dessa experiência vivida. Assim, essa maneira de ver o mundo, e aquilo que o circunscreve, tem como tarefa esclarecer os fenómenos com os quais o ser humano interage no seu dia a dia, procurando justamente a relação humana com aquilo que compõe um certo entendimento da realidade. E por isso, parece fato, poder relacionar sua adoção no processo de projetação, com a criação de edifícios mais humanizados. Porém, como trazer isso aos olhos de um processo de projetação alimentado por uma academia essencialmente positivista, cujo a concepção em arquitetura vem sendo tratada como uma espécie de processo de resolução de problemas lineares? A noção corriqueira e positivista da ideia do processo de concepção do projeto de arquitetura é fundamentalmente incompleta e imprecisa, quando nos deparamos com a abrangência do domínio da arquitetura e das noções contemporâneas de espaço e lugar, além das muitas outras questões e limites que podem ser impostos a essa visão. Imaginar, por exemplo, que é possível definir completamente o problema de projeto antes de resolvê-lo, é evidentemente equivocado, pois na medida em que avançamos no processo de concepção e que começamos a construir as primeiras respostas aos problemas sobressai, na grande maioria das vezes, uma reconstrução de problema que inicialmente estava mal definida e certamente, esta redefinição, exigirá outras respostas e o processo retomará através de outras abordagens. 4. Novos olhares O Arquiteto Peter Zumthor (2009, p.08) em seu livro “pensar arquitetura”, descreve o quanto existe de revelador nos trabalhos de Josep Beuys e de alguns artistas do grupo arte Povera. Para ele, o que impressionam nas obras de arte destes, é o emprego preciso e sensual do material. Este, ainda segundo Zumthor, parece estar enraizado em um saber antigo do uso dos materiais pelo homem, que revela, em simultâneo, a sua verdadeira natureza para além da “cultura” transmitida, e portanto a arquitetura tem seu espaço de existencial e encontra-se em uma ligação física com a vida. No ponto de vista de Zumthor, inicialmente a arquitetura não é mensagem ou sinal, mas invólucro e cenário de vida, um recipiente sensível para o ritmo dos passos no chão, para a concentração do trabalho, para o silencio do sono. Arquitetura é lugar, e o caráter do lugar se dá a partir da perspectiva de nossas percepções. Dentro da mesma perspectiva o arquiteto português Álvaro Siza Vieira, desenvolve seu processo de projeto a partir de sua experiência perceptiva e sensorial. Em ambas formas de abordagem projetual, verifica-se que os fenómenos existenciais presentes no espaço, como as coisas, as texturas, as presenças dos materiais e o movimento, marcaram e comovem ambos os arquitetos. Esta questão da percepção do espaço, se deve aos seus sentimentos e sensações e a sua disposição em ter admirado aquele espaço a partir do filtro fenomenológico, mesmo que seja em alguns casos, inconscientemente. No processo de concepção estrutural, obviamente o domínio da tectônica e da materialidade dos elementos formam a tradicional maneira de se lidar com o aparato estrutural de uma edificação. E quando o discurso enfatiza a estrutura como arquitetura? Oscar Niemeyer costumava dizer que quanto a estrutura estava pronta, a arquitetura também estava. Obviamente quando se pensa nessa afirmação tende-se a criar relação com o contexto cultural vivido pelo arquiteto, no entanto hoje, não se pode ter segurança ao fazer tal afirmação, pois arquitetura e estrutura fundem-se por vezes em um único gesto de projeto, somando forças e gerando novas alternativas a arquitetos e engenheiros 5. A relação formal e as solicitações.

É evidente, portanto, que vários aspectos devem ser concomitantemente, considerados na concepção do partido arquitetônico. Falando-se especificamente sobre a estrutura, é possível afirmar que os esforços internos que a solicitam se relacionam com a função do espaço e com a forma do elemento estrutural. Outrossim, é igualmente importante perceber que a especificação do material aplicado à mesma deve ser tratada sob o aspecto das características estéticas, mecânicas e construtivas do mesmo. Com o objetivo de melhor entender o acima exposto a Figura 1 ilustra dois diferentes sistemas estruturas – uma viga e um quadro hiperestático. Ambos solicitados por uma carga concentrada, tendo, no entanto, o quadro, o desenho da linha de tração da viga - DMF.

ree

Figura 1 - Imagem sistemas estruturais, suas solicitações internas e suas seções ideias. Fonte: do autor.

Observa-se a partir da Fig. 1 que a mudança de forma do sistema estrutural estabelece também uma mudança nas solicitações interna do mesmo. A viga apresenta-se solicitada à flexão e ao cisalhamento e, o quadro somente os esforços normais de compressão. As solicitações internas decorrentes das diferentes formas adotadas estabelecem a necessidade de arranjos de massa distintos que são justificadas por meio das ciências exatas – a engenharia, arranjos esses que estabelecem, por conseguinte, características formais ao partido arquitetônico adotado. A definição do material a ser adotado transcende a questão estética, esta pressupõe o conhecimento das características mecânicas e executivas do material e, deve ser definido na etapa do estudo do partido arquitetônico.

A Figura 2 ilustra o modelo reduzido elaborado por discentes na etapa da definição do partido arquitetônico, nesta é possível observar a relação Estrutura – Material - Forma – Espaço. É um partido arquitetônico com uma tipologia estrutural de superfície ativa a ser executada em concreto armado ou protendido, com uma intenção formal que define uma volumetria própria e um espaço para o exercício de uma função específica.

ree

Figura 2 - Imagem modelo reduzido do partido arquitetônico. Fonte: do autor. 5.1. As tipologias estruturais

Várias são as tipologias estruturais existentes e várias são as possibilidades de combinações entre ela. As estruturas de forma ativa atuam principalmente mediante sua forma material, são solicitadas à tração ou à compressão e possibilitam vencer grandes vãos - cabos e arcos são exemplos usuais desta tipologia. O cabo, resistente somente à tração, apresenta a forma que se modifica em função do carregamento que o solicita, forma esta denominada funicular de tração. O rebatimento da funicular de tração dá origem ao que chamamos de funicular de compressão. Na Fig. 1 o quadro obtido a partir do rebatimento do desenho da linha de tração da viga ilustra a funicular de compressão que estará solicitado somente pelo esforço de compressão simples, caso não haja variação da forma ou do carregamento que o originou.

Ressalta-se que a ocorrência de variação no carregamento ou na forma do quadro implica em uma variação nas solicitações internas, surgem, consequentemente, esforços internos de flexão passando o mesmo a estar solicitado à flexo – compressão.

A Fig. 3 ilustra a combinação da tipologia de forma ativa e massa ativa, nesta uma passarela atirantada a um pilar de seção transversal variável que estabelece uma intenção formal ao partido arquitetônico. Com relação ao cabo, o elemento de forma ativa solicitado à tração, cabe observar sobre o arranjo da massa na sua seção transversal, seção circular com a massa concentrada no centro de gravidade da mesma.

ree

Figura 3 - Imagem modelo reduzido combinação das tipologias de forma ativa e massa ativa. Fonte: do autor.

A tipologia estrutural que possibilita qualquer criação de forma que pretenda mudar a direção das forças externas, no plano e no espaço – a chamada vetor ativo, possibilita estruturas mais leves e soluções formais variadas. São formadas por elementos retos com montagem triangular, rotulados em suas extremidades, solicitadas à tração ou à compressão e com rigidez relativamente pequena. As Figuras 4-a e 4-b exemplificam a utilização da tipologia de vetor ativo, respectivamente, uma treliça espacial e uma treliça para superfície com curvatura.

ree

Figura 4-a - Imagem modelo reduzido treliça espacial. Fonte: do autor. Figura 4-b – Imagem modelo reduzido treliça com superfície curva. Fonte: do autor. Ressalta-se que na maioria dos projetos nos quais esta tipologia estrutural é utilizada, o aço é o material especificado, este fato dá-se em consequência das etapas construtivas das estruturas em concreto armado e, também, pela sua pequena resistência à tração, fazendo com que a sua contribuição na resistência das barras tracionadas será limitada.

A superfície ativa caracteriza-se por uma tipologia estrutural que atua principalmente mediante a continuidade superficial nos dois eixos, o que a confere resistência à tração, compressão e cisalhamento. São eficazes na definição do espaço interior e exterior, desempenham a partir da sua forma a maior ou menor função portadora e reorientadora do carregamento que a solicita.

A Figuras 5-a e 5-b ilustram, respectivamente, uma casca com uma superfície esférica seccionada que tem como efeito principal o efeito de arco e um sistema estrutural cujo mecanismo portante principal é o dobramento prismático - Resistência pela forma.

ree

Figura 5-a - Superfície esférica seccionada. Fonte: do autor. Figura 5-b - Sistema estrutural com dobramento prismático. Fonte: do autor.


A tipologia estrutural que atua principalmente devido à massa, à continuidade da matéria e apresenta-se em estado de flexão são definidas como estrutura de massa ativa. A sua capacidade resistente é ativada a partir do arranjo de massa nas suas seções transversais.


O perfil “I” nas estruturas metálicas e a seção “T” ou retangular de maior altura no concreto armado são exemplos de seções que buscam afastar a massa do centro de gravidade possibilitando uma maior rigidez à peça, acrescendo, consequentemente, a sua resistência a compressão, tração, flexão e cisalhamento. As lajes, vigas e pilares contraventantes de edificações são exemplos desta tipologia estrutural.


A figura abaixo ilustra passarela atirantada a pilares, a carga resultante dos cabos o solicita à flexo-compressão e ao cisalhamento, a variação da seção transversal atribui maior resistência às seções mais solicitadas e uma configuração formal ao partido adotado.


ree

Figura 6 - Imagem modelo reduzido combinação das tipologias de forma ativa e massa ativa. Fonte: do autor.


Conclui-se, portanto, que o partido arquitetônico pressupõe a definição de um conceito a ser estabelecido a partir de uma intenção formal cuja viabilidade executiva se mostra viável através das leis da mecânica. A Forma não é simplesmente definida pelo fato de ser a que melhor se adéqua ao espaço e ou à estética, esta é uma relação entre o belo, adequado e o tecnicamente justificável.


Referências

ARGAN, Giulio Carlo. Clássico Anticlássico: O Renascimento de Brunelleschi a Bruegel. Trad. Lorenzo Mammi. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.


ARGAN, Giulio-Carlo: Projeto e Destino, São Paulo, Ática, 2000.


ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. 5ª edição, São Paulo, Martins Fontes, 2005.


EL CROQUI REVISTA: Salvando las Turbulencias, notas sobre la invención. Entrevista realizada com Álvaro Siza Vieira. Madrid, El Croquis no 68,69 e 95, ano 2000, p. 06 a 45.


HOLZER, Werther. A Geografia Humanista: uma revisão. Espaço e Cultura, Rio de Janeiro, n. 3, p. 8-19, 1997a.


HOLZER, Werther. Uma Discussão Fenomenológica sobre os Conceitos de Paisagem, Lugar, Território e Meio Ambiente. Território, n. 3, p.77-85, 1997b.


NORBERG-SCHULZ, Christian. Intenciones en Arquitetura. Barcelona: G. Gili, 1979.


PALLASMAA, Juhani. A Imagem Corporificada. Imaginação e Imaginário na Arquitetura. Porto Alegre: Bookman, 2013.


ZUMTHOR, Peter. Real and Imagined Buildings - Building the Picture. Entrevista publicada em 3 de Abril de 2014 para a The National Gallery. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=JY4Djp6nBcs> Acesso em: 30 de março de 2018.


ZUMTHOR, Peter. Atmosferas, Entornos arquitetônicos- As coisas que me rodeiam, Gustavo Gili, Barcelona, Espanhã 2009.











 
 
 
  • Foto do escritor: BLOG OFICINA
    BLOG OFICINA
  • 5 de nov. de 2022
  • 3 min de leitura

A necessária amplificação da função original do edifício como contribuição para ações de prevenção de desastres em territórios vulneráveis


Gustavo de Oliveira Martins

Universidade Federal fluminense


Inúmeros estudos, apresentados através dos Relatórios anuais de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, vem, desde 2000, apontando alterações no regime de chuvas que aumentam sua intensidade e frequência em diversas regiões do mundo, tendo como uma das consequências, o agravamento da condição da habitabilidade das populações residentes em situação de fragilidade social.


O Brasil, em particular, possui um grave histórico de incidentes pluviométricos. No Estado do Rio de Janeiro, em meses específicos, a sociedade enfrenta desfechos trágicos, fruto da soma de consequências naturais, como também, da dura realidade social, falta de políticas públicas e irrisório interesse político em enfrentar o problema do déficit habitacional.


Em 2011, na Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro, ocorreu uma grande catástrofe climática. De acordo com os dados oficiais do Governo do Estado, a tempestade matou 918 pessoas, deixou 30 mil desalojados e, de acordo com o Ministério Público Estadual, ao menos, 99 vítimas seguem desaparecidas até os dias de hoje.


Na cidade de Nova Friburgo, foram 3.220 desalojados e 2.031 desabrigados, além de mais de 426 vítimas fatais (O GLOBO, 27/01/2011). O Governo Federal, por meio do Ministério da Integração Nacional, mobilizou equipes de resgate e envio de recursos para a região, além disso, o Exército Brasileiro também atuou no auxílio às vítimas, fornecendo helicópteros e equipamentos de resgate. Autoridades locais, em parceria com os governos estadual e federal, criaram abrigos temporários para as pessoas que perderam suas casas, distribuíram alimentos e água potável, e organizaram ações de limpeza e desobstrução das vias protegidas pelas chuvas.


No entanto, apesar dos esforços aplicados, muitas críticas foram levantadas sobre a resposta do poder público à tragédia. Muitos, alegaram que a ajuda custou a chegar e que as ações de prevenção e mitigação do impacto das chuvas na região foram insuficientes.


Passados 12 anos, a noite do dia 11 de janeiro e os dias que sucederam ao desastre, permanecem presentes na memória da população de Nova Friburgo e região, que ainda sofre por suas perdas, pois, o fenômeno climático ocorrido escancarou a frágil condição de ocupação no território cercado por diversas formações rochosas e morros, erguido às margens do rio Bengalas, ocupando uma área de 933,414 km² segundo o IBGE.


Segundo a associação de vítimas da tragédia de 2011, boa parte da população das regiões atingidas busca lidar com a memória do fato, o travestindo de acaso ou de vontade divina em volto a uma espécie de anestésico sociocultural, cuja consequência é: o desencadeamento de um processo de esquecimento coletivo, visando a ideia de novo cotidiano que nunca chega.


Entende-se a necessidade de superar o trauma, o sentimento de injustiça e a dor de todos que perderam amigos e familiares, no entanto, é necessário que essa retomada não esconda suas feridas, já que, a reconstrução após o luto é libertadora.


Ao longo dos anos, diversas estratégias foram introduzidas as políticas públicas que visam a prevenção e a mitigação de riscos em áreas que apresentam maior vulnerabilidade social, como o estabelecimento de normas e padrões de segurança para a construção de novas edificações.


No entanto, todos esses são casos que fazem da edificação um elemento desassociado das propriedades naturais de comportamento inerentes as áreas expostas a riscos naturais.

Propõe-se um trabalho cujo objetivo principal é discutir e apresentar um estudo técnico preliminar, que trate da habitação de interesse social, como estrutura de ressignificação do território circunscrito por áreas devastadas pelo fenômeno climático ocorrido em 2011 em Nova Friburgo - RJ, ampliando a função original do edifício, apresentando-se como um sistema de ocupação do território que assume também função de infraestrutura de controle hídrico, acumulando, redirecionando e atenuando precipitações.


Ainda que se tenha a compreensão de que, a arquitetura não tenha o poder de apresentar-se como solução única para a prevenção e a mitigação de riscos em áreas que apresentam maior vulnerabilidade social, ela pode e deve, ser parte da mudança necessária!


Por fim, ao ser entendido como um sistema repleto de outros sentidos e funções, o edifício, tem o dever de enfrentar os fenômenos socioambientais da contemporaneidade. E por essa razão, seu entendimento precisa ampliar-se de maneira a buscar contribuir, para minimizar o impacto iminente de desastres futuros, para além de sua constituição habitual.






 
 
 


Gustavo de Oliveira Martins

EAU UFF - Universidade Federal Fluminense


Rhythm 0 (1974) é uma conhecida obra de arte performática criada por Marina Abramović, artista Sérvia considerada, por muitos críticos, uma das mais importantes do século XX. Nesta performance, a artista ficou imóvel durante 6 horas e disponibilizou 72 objetos que poderiam dar prazer ou dor para serem utilizados pelo público da maneira que eles bem entendessem no seu corpo. Em uma mesa, por exemplo, estavam batom, vinho, uvas, e na outra, tesoura, garfo, faca, chicote e uma arma carregada com uma bala. Logo, no início, o público reagiu com precaução e pudor, no entanto, em poucos minutos, os espectadores começaram a atuar com violência e agressividade, deixando a artista ao final, com as roupas rasgadas, tratando-a como um objeto a ser usado e manipulado, sem qualquer chance de reação. A artista chegou a ter a pistola disponibilizada em uma das mesas apontada para o seu pescoço.


Em seu livro de memórias, Marina (2017) conta que no momento em que isso aconteceu, alguém da plateia retirou de maneira truculenta o indivíduo que manipulava a pistola em suas mãos perigosamente, pois parte dos presentes obviamente queria protege-la, já outros, certamente desejavam que a performance prosseguisse.


Como em um transe coletivo, a plateia se tornou cada vez mais atuante até o término da performance. No dia seguinte, a galeria recebeu dezenas de telefonemas de pessoas que tinham participado da apresentação, pois não entendiam direito o que tinha acontecido enquanto estavam lá, pois não tinha consciência do que tinha se apossado delas.


O desejo da artista, nessa performance, foi justamente demonstrar as contradições do público presente, pois uma vez imóvel, como um objeto, o que o público seria capaz de fazer? No final das contas, Marina fez do conjunto corpo e público o próprio objeto de arte, pois a partir de sua visão de mundo, é por meio da percepção do corpo que se vive quotidianamente a verdadeira experiência estética. Nos seus trabalhos, ela vivencia essa experiência, por muitas vezes como receptora, buscando revelar através de sua condição de “objeto”, reações profundas naqueles que se envolvem com a atmosfera criada por sua desejada condição de momento.


É a partir de experiências, como as propostas pelos artistas performáticos, que a arte passa a ser compreendida como uma forma de expressão que permite ao espectador uma nova maneira de compreensão do mundo, que não pode ser alcançada através de outros meios. A obra de arte é vista como uma entidade viva, que tem uma presença física no mundo e que é capaz de influenciar a percepção do espectador, como também a de ser influenciada por ele. O espectador não é um observador passivo, mas sim, um participante ativo na experiência estética, que emerge da relação entre a obra de arte e o espectador. Ao mesmo tempo, a obra de arte não é vista como um objeto isolado, mas sim como um elemento que está em constante interação com o ambiente ao seu redor.


O corpo constitui a partir dessa abordagem artística, o ponto de vista do ser-no-mundo, ou seja, no campo de relações, o corpo representa a transição do "eu" para o mundo, ele está do lado do sujeito e, ao mesmo tempo, envolvido no mundo.


Nesse caso, é a partir da questão do “eu”, que inevitavelmente, a dimensão corporal pode fazer ponte direta com a consciência do espaço e lugar, e nesse caso, quando munidos da abordagem Fenomenológica, parece possível assimilar o importante papel que o corpo tem de poder contribuir para a leitura espacial, assim como, para a percepção de elementos que caracterizam a essência de um determinado território experiênciado.


Ao relacionar fenomenologia da percepção com a arte performática, se evidencia uma abordagem que privilegie a experiência corporificada do espectador, onde o sujeito não mais é entendido como mero objeto, e sim, é um sujeito que reage, que olha, sente e, a partir da experiência através do corpo fenomenal, reconhece o espaço como expressivo e simbólico. A arte, nesse caso, é vista como uma forma de expressão que permite ao espectador uma nova forma de compreensão do mundo, que não pode ser alcançada através de outros meios, já que, a experiência estética é, portanto, uma forma de compreender o mundo através do corpo.


Merleau-Ponty (2011) considera que o corpo é a nossa principal referência espacial e que o espaço deve ser compreendido não só a partir dele, mas também como uma extensão dele, fazendo desse fato o sentido de experiência das coisas. Para o autor, a percepção é uma forma de compreensão do mundo, que envolve tanto os aspectos físicos do mundo, quanto a experiência subjetiva do indivíduo. Nessa perspectiva, o corpo é entendido como o veículo da percepção, sendo a fonte de toda a experiência sensorial do indivíduo.


Ao contrário de outras correntes filosóficas, que veem a mente como um espaço isolado do corpo, a fenomenologia a partir da ótica da percepção de Merleau-Ponty, enfatiza a relação inseparável entre o corpo e a mente. A mente não pode ser vista como um espaço isolado do corpo, mas sim como uma experiência que emerge da relação entre o corpo e o mundo.


A experiência através do corpo é, portanto, uma das principais preocupações da fenomenologia da percepção debatida por Merleau-Ponty, que apresenta a ideia de que a percepção não pode ser vista como um processo puramente mental, que ocorre em um espaço isolado do corpo. Para o autor, o corpo é entendido como uma estrutura vivencial, que está em constante interação com o ambiente ao seu redor. O corpo é o ponto de partida para toda a experiência, e é a partir dele que se desenvolve a compreensão do mundo que nos cerca.


A inter-relação do eu, o outro e o mundo (as coisas) faz com que o mundo fenomenológico não seja a explicitação de um ser prévio ou a concepção de uma preexistência, mas a fundação do sentido do ser. O “eu” existe no mundo pelo corpo, e é através dessa existência que, com o corpo, percebemos o mundo. O corpo é entendido como um espaço expressivo que projeta suas significações no mundo exterior, atribuindo-lhes um lugar e fazendo-as existir como coisas, da mesma forma, o mundo exterior se projeta no corpo, lhe atribui um sentido e uma existência, pois, quando sujeito dos sentidos, o corpo é parte da experiência cotidiana.


Merleau-Ponty (2011) também propõe que a percepção humana está relacionada com a manifestação da consciência no compromisso corporal diário com o mundo. Portanto, o mundo não é separável da nossa experiência do mundo; é o nosso mundo experiente, pois “[...] todo o saber se instala nos horizontes abertos pela percepção” (MERLEAU-PONTY, 2011, p. 280). E, portanto, o mundo experiente está fundamentalmente relacionado ao nosso corpo, o corpo como um “corpo vivido”, encarnado, não como um objeto.


Por esse motivo, é importante entendermos que não ocupamos o espaço, e sim o habitamos. Nos relacionamos com ele como uma mão para um instrumento; portanto, devemos evitar dizer que nosso corpo está no espaço ou no tempo. Desta forma, “espaço” não é um recipiente no qual estou localizado; na verdade, eu sou o espaço. Eu vivo o espaço, e meu corpo habita.


Assim sendo, podemos dizer que estou tão combinado com o mundo, que sou mundo. Se eu sou meu mundo, se também sou lugar, se é minha perspectiva de mundo que me torna consciente, também é importante considerar que o mundo consiste em um campo de materiais correlacionados e não objetos isolados. Pois quando mundo, espaço ou lugar, a percepção está fundamentalmente relacionada à textura, ao fundo, ao espaço entre as coisas e seus elementos experienciados.


Essa perspectiva se opõe à visão tradicional, que vê o espaço como um objeto inerte e passivo, e o corpo como um agente ativo que o ocupa e controla. Para Merleau-Ponty, essa visão simplista ignora a complexidade da relação entre o corpo e o espaço, e não leva em conta as dimensões subjetivas e corporificadas da percepção.


Ao invés disso, Merleau-Ponty propõe que a relação entre o corpo e o espaço é uma relação de habituação, que envolve uma percepção ativa e uma participação do corpo no ambiente. O corpo é visto como um centro de percepção e ação, que se expande e se contrai em relação ao ambiente ao seu redor, estabelecendo uma relação dinâmica e simbiótica com o espaço.


Essa perspectiva tem implicações importantes para a compreensão da experiência estética, especialmente em relação à arte contemporânea. A arte contemporânea muitas vezes desafia as convenções tradicionais de percepção do espaço e do corpo, e muitas vezes propõe novas formas de habitação e participação no ambiente.


Desta forma, a ideia de percepção defendida por Merleau-Ponty (2011) significa tomar para si algo em seu contexto, na sua relação com o entorno e na forma como existe no mundo. É interessante notar que o ato de se conceber uma ideia não pode ser alimentado por significações preconcebidas, pois, se assim for, essas condições funcionam como uma vestimenta ou um cobertor, envelopando com um véu a verdade contida na essência das coisas.


A experiência é constituída de sentimento e pensamento. O sentimento humano não é uma sucessão de sensações distintas; mais precisamente, a memória e a intuição são capazes de produzir impactos sensoriais no cambiante fluxo da experiência, de modo que poderíamos falar de uma vida do sentimento como falamos de uma vida do pensamento. É uma tendência comum refletir-se ao sentimento e pensamento como opostos, um registrando estados subjetivos, o outro reportando-se a realidade objetiva. De fato, estão próximos as duas extremidades de um continuam experiencial, e ambos são maneiras de conhecer. (TUAN, 2015b, p. 85).


Segundo essa visão, é possível definir dois tipos de relação eu-mundo que se relacionam e alimentam mutuamente, sendo a primeira uma relação puramente imediata, e a segunda uma relação em que o tempo traria a memória pessoal e a imaginação. Portanto, faz sentido pensarmos que a percepção se baseia na intensidade da experiência e na suspensão do tempo. O indivíduo que constitui e polariza a “casa” fenomenológica é um indivíduo cuja experiência do espaço provém tanto das lembranças e rememorações do passado quanto das experiências sensoriais do presente: o seu passado não é um passado transcendente, relacionado à linhagem, mas um passado imanente e individual, relacionado à infância e à dupla ação do segredo e da descoberta (SANTOS; SILVA, 2014, p. 114-128).


Assim, quando nos referimos à arquitetura e ao papel do corpo nessa esfera de entendimento conceitual, a abordagem fenomenológica seria a junção de múltiplos espaços, cada um com a sua própria identidade, definida pelos seus próprios e diferenciados atributos topológicos; ou seja, essa visão partiria da ideia de fragmentação do conjunto numa soma de espaços autônomos. Este passa a ser um “ente habitado” por estímulos e reações, por vetores, por desejos e afetos que orientam, antecipam e dão sentido às coisas, e ao nosso corpo entre elas.


Ao contrário da abordagem existencial, que procura a estabilidade, a abordagem fenomenológica surge como um ser entreaberto, um ambiente de transição onde se regulariam os intercâmbios e se organizaria uma certa complexidade labiríntica, sempre em busca da intensificação da experiência e onde se constata a relação comprometida e ativa com o meio físico através do corpo, ao contrário da visão existencial, cuja relação com o ambiente é de natureza defensiva e fortemente psicológica.


Atualmente, é possível dizer que as relações entre as artes e sua compreensão fenomenológica têm influenciado vários estudos sobre a percepção e suas relações com o conhecimento. Para a fenomenologia, sentir ou perceber algo é motivado pelas propriedades ativas com as quais temos contato, e não apenas por simples qualidades lógicas. Assim, para compreender a percepção, a noção de sensação é fundamental.


No entanto, para a abordagem fenomenológica, a definição do sentir não se configura como um estado ou uma qualidade, nem se dá a partir da consciência de um estado ou de uma qualidade, como definiu o empirismo e o intelectualismo. Ao contrário, o sentir só pode ser compreendido através de uma experiência corporal. “A cor, antes de ser vista, anuncia-se então pela experiência de certa atitude de corpo que só convém a ela e com determinada precisão” (MERLEAU-PONTY, 2011).


Na concepção fenomenológica da percepção, como vimos, a apreensão dos sentidos se faz pelo corpo, tratando-se de uma expressão criadora, a partir dos diferentes olhares sobre o mundo. Portanto, é preciso enfatizar a experiência do corpo como campo criador de sentidos, isso porque a percepção não é uma representação mentalista, mas um acontecimento da corporeidade e, como tal, da existência.


Portanto, nos situamos nas coisas, dispostos a habitá-las com todo nosso ser. As sensações aparecem associadas a movimentos, e cada objeto convida à realização de um gesto, não havendo, pois, representação, mas criação, novas possibilidades de interpretação das diferentes situações existenciais.


Esse conceito de percepção com o qual se pretende considerar parte deste debate só é possível porque se abraça a ideia de Merleau-Ponty (2011), que sugere o rompimento exclusivo da noção de corpo-objeto, reconhecendo o espaço como expressivo e simbólico. Essa abordagem, também se refere ao campo da subjetividade e da historicidade, ao mundo dos objetos culturais, das relações sociais, do diálogo, das tensões, das contradições e do amor como amálgama das experiências afetivas.


A relação de uma criança hipotética com uma vela acesa muda radicalmente após esta ter se queimado ao admirar a chama [...] após a queimadura, a criança percebe o fogo não mais como algo bonito e misterioso, ela não tem mais vontade de colocar a mão na chama, mas a encara como algo repulsivo, devido ao sofrimento que ele outrora causara. [...] Concluindo, portanto, que a visão já é habitada por um sentido que lhe dá uma função no espetáculo do mundo, assim como em nossa existência. E, contrariamente àquilo proposto pelos empiristas, não é o sentir que nos dá uma ‘qualidade’ extraída do mundo, mas ele investe a qualidade de um valor vital. E esse investimento só ocorre a partir da experiência que o corpo possui em relação às coisas no mundo, sendo que este último sempre comporta uma referência ao corpo. (MERLEAU- PONTY apud MARQUES, 2017, p. 54-55).


Portanto, não é difícil justificar que tudo o que percebemos possua um certo ar de indeterminação, já que não existe, segundo essa abordagem, praticamente coisa alguma que possa ser vista, ouvida, sentida com cem por cento de clareza, de maneira a constituir uma ideia das coisas por inteiro.


Nesse caso, se fosse possível uma consciência constituinte universal, a opacidade do fato desapareceria e, por esse motivo, o fato mesmo, como o percebemos, seria impossível. Os fatos não são transparentes e não se apresentam inteiros a nossa percepção, mas sim em um campo de percepção sempre inacabado e onde suas partes sempre reenviam a um todo que nos escapa atualmente, mas que é presente em perspectiva.


A percepção, dentro do esfera fenomenológica, é compreendida através da noção de campo, não existindo sensações elementares nem objetos isolados. Assim, a percepção não é o conhecimento exaustivo e total do objeto, mas uma interpretação sempre provisória e incompleta, surgindo como um ser entreaberto.


“[...] o mundo não é aquilo que eu penso, mas aquilo que eu vivo; estou aberto ao mundo comunico-me indubitavelmente com ele, mas não o possuo, ele é inesgotável” (MERLEAU-PONTY, 2011, p. 83-111).


Os objetos e os fenômenos atrelados ao mundo, segundo Merleau-Ponty, são subsídios da percepção realizada pelo sujeito, que sente o seu mundo ou, ainda, seu espaço e, nesse sentido, tem-se caracterizada a experiência, como termo geral para os vários modos através dos quais uma pessoa conhece seu mundo. E, em alguns momentos, alguns modos sensoriais são mais passivos e diretos que outros, porém esse fato está diretamente relacionado à maneira como o indivíduo se envolve com os sentidos, já que temos, a partir da mesma abordagem, percepções cognitivas pessoais.


De maneira geral, sentimos o mundo que nos circunscreve por meio dos sentidos (do gosto, da visão, do cheiro e do toque), embora estejamos simplesmente registrando mentalmente sensações provocadas por estímulos externos.


Uma construção, que em seu texto Heidegger exemplifica com uma ponte, é em si mesma um lugar, dando ao espaço uma instância e uma circunstância. ‘A partir dessa circunstância determinam-se os lugares e os caminhos pelos quais se arruma, se dá espaço a um espaço. Coisas, que desse modo são lugares, são coisas que propiciam a cada vez espaços’ (HEIDEGGER, s.d., p. 6). Dessa forma, então, ao contrário do que tradicionalmente se pensa na geografia, são os lugares que constituem e delimitam o espaço. (HOLZER, 2013, p. 21).


No desenvolvimento de um projeto arquitetônico, uma das primeiras ações previstas por arquitetos e urbanistas é o reconhecimento da região e do lugar específico de trabalho. Historicamente, esse reconhecimento é detido por meio de várias ferramentas de levantamentos de dados, impostas por um sistema positivista que prevalece já a muitos anos. Portanto, entender os aspectos provenientes do lugar e espaço são fundamentais para o processo de projetação de um arquiteto e urbanista, que relacionará este exercício de entendimento as diversas escalas de entendimento do território.


Para o bem da arquitetura e do urbanismo, a conduta “padrão” de análise e caracterização de um determinado território, não pode ser entendia como a única a ser adotada. Entendemos que se faz necessário implodir a perspectiva única contida em abordagens positivistas e estruturantes. Cabe estimularmos possibilidades que façam desta investigação resultado de olhares experienciados, repletos do pensar e sentir. Abertos a dinâmica das vivências cotidianas.


O procedimento “padrão”, entende a ideia de espaço e o lugar a partir da natureza geográfica, no entanto, sob a perspectiva humanista, eles deveriam ser estudados por meio dos sentimentos e das ideias de um povo e suas experiências. Nesse caso, a ideia de espaço e lugar não se caracterizam apenas uma espécie de ideia, ao contrário, são um conjunto complexo destas ideias, que levam em conta, tanto as dimensões físicas, quanto, as sociais e culturais da geografia humana.


Para o filósofo Yi-Fu Tuan (2015a), o espaço é uma dimensão abstrata e universal, que se refere às relações espaciais entre os objetos e as pessoas. Por outro lado, o lugar é uma dimensão mais concreta e particular, que se refere à experiência pessoal e subjetiva que as pessoas têm do espaço. Enquanto o espaço é uma categoria analítica e objetiva, o lugar é uma categoria subjetiva e vivida.


Essa distinção entre espaço e lugar é fundamental para a compreensão da experiência humana do mundo e para apontar alternativas aos procedimentos hegemônicos.


O espaço é uma dimensão que existe independentemente das pessoas, e que pode ser representado por meio de mapas, imagens de satélite, e outras formas de representação cartográfica. Por outro lado, o lugar é uma dimensão que é vivida e experimentada pelas pessoas, e que está intrinsecamente ligado às suas emoções, memórias e identidades.


Para Tuan, o lugar é uma dimensão essencial para a compreensão da experiência humana do mundo. É através dos lugares que as pessoas constroem suas identidades e estabelecem relações com os outros. Os lugares são espaços vividos e sentidos, que são marcados por suas características físicas, culturais e históricas.


Por exemplo, uma cidade pode ser um espaço abstrato e universal, que pode ser representado em um mapa. No entanto, as pessoas vivem a cidade de forma diferente, e cada bairro, rua ou praça tem suas próprias características e significados culturais. Cada lugar tem sua própria história, suas próprias tradições, e sua própria identidade, que é construída pelas pessoas que vivem e experienciam o lugar.


Essa abordagem tem aspectos teóricos importantes para a compreensão da relação entre espaço e sociedade. Através da distinção entre espaço e lugar, podemos compreender a complexidade da experiência humana do mundo, e a importância das dimensões subjetivas e culturais para a construção da identidade e das relações sociais.


Na literatura de ficção, que tenta apreender a evolução comum da experiência humana, o espaço mantém uma relação dialética com o lugar: o espaço é oposto ao lugar, como o disforme é oposto ao formado. O lugar é um espaço estruturado. A palavra “espaço” é, então, quase que uma parte da experiência ocidental. Sendo um desafio traduzi-la para uma língua não europeia. Tempo é outra ideia complexa e esquiva. O termo inglês time pode ser traduzido em meia dúzia de palavras em birmanês. Os significados múltiplos de tempo podem, no entanto, reduzir-se a dois elementos: uma mudança direcional e uma repetição (LEACH, 1966 apud TUAN, 2015a).


A abordagem de Yi-Fu Tuan para o espaço e lugar é importante para a compreensão do que desejamos nesse trabalho, pois através de sua obra, podemos compreender a complexidade da relação entre espaço, cultura e identidade, e enfatizar a importância da dimensão subjetiva e vivida da experiência humana do mundo.


Nesse caso, a ideia de “lugar” deve ser caracterizada a partir da percepção de acolhimento e segurança, já o “espaço” deve ser entendido com a ideia que se refere à sensação de liberdade. Tuan exemplifica essa afirmação dizendo que estamos ligados ao primeiro, mas que desejamos o outro. Para ele, o lugar pode ser desde a velha casa, o velho bairro, a velha cidade ou a pátria. Para exemplificar sua ideia de espaço, Tuan cita os animais não humanos, cujos espaços são demarcados e defendidos contra invasores, já os lugares são centros aos quais atribuem valor, onde são satisfeitas as necessidades biológicas de comida, água, descanso e procriação.


Espaço e lugar determinam a natureza da ciência geográfica. Portanto, o lugar é uma unidade entre outras unidades ligadas pela rede de circulação:


[...] o lugar, no entanto, tem mais substância do que nos sugere a palavra localização: ele é uma entidade única, um conjunto ‘especial’, que tem história e significado. O lugar encarna as experiências e aspirações das pessoas. O lugar não é só um fato a ser explicado na ampla estrutura do espaço, ele é a realidade a ser esclarecida e compreendida sob a perspectiva das pessoas que lhe dão significado. (TUAN apud HOLZER, 1999, p. 70).


O lugar também possui valor representativo para a tendência humanística, pois para ela constitui um conjunto complexo e simbólico, que pode ser analisado a partir da experiência pessoal de cada indivíduo, ou em um contexto intersubjetivo (experiência em grupo) no espaço.


Ao contrário de lugar, a ideia de espaço é bem mais abstrata.


O que começa como espaço indiferenciado transforma-se em lugar à medida que o conhecemos melhor e o dotamos de valor. Os arquitetos falam sobre as qualidades espaciais do lugar, pois estas podem igualmente falar das qualidades locacionais do espaço, como é possível ver em Norberg-Schulz (2005).


Portanto, a partir dessa ótica, se faz necessário entender que os sentidos de “espaço” e “lugar” não podem ser definidos um sem o outro. É através da segurança e estabilidade do lugar que estamos cientes da amplidão, da liberdade e da ameaça do espaço, e vice-versa.


O lugar é uma classe especial de objeto. Gera concretude ao valor das coisas. Já o espaço é dado pela capacidade de mover-se. Seus movimentos frequentemente são dirigidos para, ou repelidos por, objetos e lugares.


Por isso o espaço pode ser experiênciado de várias maneiras.


Além disso, o espaço nem está no sujeito, nem o mundo está no espaço. Ao contrário, o espaço está no mundo à medida que o ser-no-mundo constitutivo da presença sempre descobriu um espaço. (HEIDEGGER, 2006 apud SEIBT, 2009, p. 527-541).


Sendo assim, é interessante observar que espaço e o lugar nos moldam inexoravelmente. Para tanto, faz-se necessária a atenção do próprio homem, que se torna um observador singular. Por conseguinte, por meio da percepção, o homem é capaz de alcançar aquilo que tanto deseja: realizar-se. E essa realização acontece por meio de sua incessante sede de conhecimento. O homem transcende o natural quando quer atingir o seu ser. Quase metaforicamente podemos dizer que o homem transcende no espaço e no lugar, assim como no tempo existencial.


De forma poética, espaço e lugar mantêm o homem como o ser-em-si que não cessa de realizar-se. Consequentemente, a imaginação, assim como o imaginário, faz do homem a imanência ativa de Si.


A partir desse aporte filosófico, é possível dizermos que a ideia de lugar passa a ter uma definição ampla, em que se abriga referências pessoais e o sistema de valores que direcionam as diferentes formas de perceber e constituir a paisagem e o espaço geográfico. Trata-se, na realidade, de espacialidades carregadas de laços afetivos que desenvolvemos ao longo de nossas vidas na convivência com o lugar e com os outros. O conceito de lugar assume, então, um caráter subjetivo, uma vez que cada indivíduo já traz uma experiência direta com seu espaço, com o seu lugar – houve um profundo envolvimento com o local para adquirir tal pertencimento.


Tomados pelo sentido fenomenológico da definição de lugar, é possível acolhermos a visão de Heidegger, que define lugar existencial através da ideia de sua representação humanizada e concreta, pressupondo o habitar para adquirir significado e sentido. Ou seja, o lugar dito existencial é o lugar específico em que o homem habita, retomando a conclusões já tratadas nas reflexões anteriores. O habitar autêntico é sempre a construção de um lugar em que participam o homem e o divino em harmonia, e por meio dessa visão, é possível adotarmos também o pressuposto de que os espaços recebem a sua essência dos lugares.


Assim, o lugar também é sujeito, e apresenta-se através do tempo existencial (memórias, desejos, utensílios e outros). Quem o habita, precisa compreender o mundo para conseguir projetar-se nele. A casa deste sujeito que se questiona sobre si mesmo, é algo mais que um marco neutro, nela habita quem pensa em si mesmo, e este pensamento, por sua vez, é que habita a casa.


A casa adquire as energias físicas e morais de um corpo humano. Ela curva as costas sob o aguaceiro, retesa os rins. Sob as rajadas, dobra-se quando é preciso dobrar-se, segura de poder endireitar-se de novo no momento certo, desmentindo sempre as derrotas passageiras. A casa convida o homem a um heroísmo cósmico. Eu um instrumento para afrontar o cosmos. As metafisicas do homem atirando no mundo poderiam meditar concretamente sobre a casa atirada na borrasca, desafiando a cólera do céu. Contra tudo e contra todos, a casa nos ajuda a dizer: serei um habitante do mundo, apesar do mundo. O problema não é somente um problema do ser, é um problema de energia e, consequentemente, de contra-energia. Nessa comunhão dinâmica entre o homem e a casa, nessa rivalidade dinâmica entre casa e o universo, estamos longe de qualquer referência às simples formas geométricas. A casa vivida não é uma caixa inerte. O espaço habitado transcende o espaço geométrico. (BACHELARD, 1993, p. 62).


Na Roma Antiga, se acreditava que todo “indivíduo independente” possuía um genius, um espírito guardião. Esse espírito dá vida às pessoas e aos lugares, os acompanha do nascimento à morte e determina seu caráter ou essência. O genius denota o que uma coisa é, ou o que “ela quer ser”. Os antigos consideravam de extrema importância o estar de acordo com o genius da localidade onde viviam, porque a sobrevivência dependia de uma boa relação com o lugar, tanto num sentido físico como psíquico. Assim, em arquitetura, concretizar o genius loci significaria conseguir reunir numa construção as propriedades do lugar e aproximá-las do homem. Como vimos anteriormente, o habitar é apropriar-se de um lugar no mundo e é sinônimo do suporte existencial, do ser-no-mundo (Norberg-Schulz, 2005).


O espaço é repleto de elementos experienciados que estabelecem propriedades concretas do ambiente e com os quais as pessoas geralmente desenvolvem relações durante a infância (quando somos todos sentidos), sem a construção de filtros que possam interferir na essência da experiência. Essa materialidade, a partir da construção, é a arte de formar um todo com sentido por meio de muitos fragmentos.


Para muitos, os edifícios são testemunhos da capacidade humana de construir coisas concretas, já que o verdadeiro núcleo de qualquer tarefa arquitetônica encontra-se circunscrito ao ato de construir. Assim, é possível dizer que os materiais concretos são reunidos e erguidos, e que, consequentemente, a arquitetura imaginada se torna parte do mundo real.


Segundo Norberg-Schulz (1979b), o homem habita quando é capaz de concretizar o mundo em construções e coisas. A concretização é a função da obra de arte em oposição à abstração da ciência. As obras de arte concretizam o que fica entre os puros objetos da ciência. Assim sendo, o mundo da vida cotidiana é refletido em objetos intermediários que solidificam o cotidiano nas coisas e, portanto, concretizam o genius loci, percebido por meio de construções que reúnem as propriedades do lugar e as aproximam do homem.


Logo, o ato fundamental da arquitetura é compreender a vocação do lugar. “O homem, é parte integral do ambiente e que ele somente contribui para a alienação e ruptura do ambiente quando se esquece disso. Pertencer a um lugar quer dizer ter uma base de apoio existencial em um sentido cotidiano concreto” (NORBERG-SCHULZ apud NESBITT, 2013, p. 445).


Ao dizer que o homem é parte integral do ambiente, Norberg-Schulz nos ajuda a entender que aquilo que está internamente subjetivo permite um diálogo entre indivíduo e a subjetividade do seu mundo, permeado de valores de bens, de significados e de experiências pessoais, pois são essas experiências intersubjetivas variantes que alteram atitudes do mundo da vida cotidiana. A presumida intencionalidade, sempre presente no discurso arquitetônico, na verdade refere-se à relação entre os atos da consciência e como aparecem na consciência, e esta, por sua vez, se constitui a partir das experiências vividas.


Além disso, Norberg-Schulz confere sentido prático a abordagem fenomenológica que pretendemos trabalhar. Ele confirma a noção de Lugar como produto da experiência pessoal vivida, permeado de dimensões simbólicas, culturais, políticas e sociais, adquirindo identidade e significado através das intenções humanas atribuídas a ele, podendo ser traduzido para nós como principal campo de prova na abordagem cujas bases metodológicas estão associadas à fenomenologia, a partir do diálogo estabelecido entre o homem e seu meio, através da percepção, do pensamento, dos símbolos e do fazer (ação).


Acreditamos que é essa ideia de lugar e espaço, concebida por meio de sua essência fenomenológica, que permitirá que arquitetos e urbanistas busquem de maneira mais eficaz sua singularidade espontânea. O corpo é o ponto de partida para que a experiência cotidiana forneça dados, ainda como pseudorrealidade, passiveis de serem explorados como gatilhos criativos, a fim de contribuírem como futuros partidos projetuais a serem trabalhados em um processo de concepção para um determinado projeto de arquitetura e urbanismo. Esses gatilhos são estruturas singulares e fluentes, que visam fornecer sinais significativos para o receptor, o que significa atuar a partir desse tipo de entendimento e criar a partir deles.


Por esse motivo, que a concepção de experiência corporificada trazida por Merleau-Ponty é tão importante, pois, na visão fenomenológica, o sujeito apresenta-se diante de si mesmo e do mundo como um corpo sensível constituído através da sua experiência e vinculado, através da intenção, ao mundo e às coisas.


Essa experiência surge a partir de uma relação particular com cada lugar ou objeto, e essa relação baseia-se em uma perspectiva de mundo que busca extrair um tipo de leitura arquitetônica cuja essência, na visão de vários autores e arquitetos, influencia e afeta diretamente todo o processo de projetação através do estímulo à percepção derivada da existência cotidiana, por meio de um olhar inter-relacional.


Neste contexto, o habitar torna-se uma experiência fundamental do homem, no sentido exatamente idêntico ao que Merleau-Ponty (2011) dizia ser o mundo, pois, é essa experiência, fundamentalmente não conceitual da moradia, designadora de uma das formas originárias de estar no mundo.


Assim, nos referindo a arquitetura e urbanismo, a possibilidade de se concretizar o genius loci, significaria conseguir reunir numa construção as propriedades do lugar e aproximá-las do homem, pois o habitar é apropriar-se de um lugar no mundo, e é sinônimo do suporte existencial do ser-no-mundo. Portanto, a inter-relação do eu, o outro e o mundo (as coisas) faz com que o mundo fenomenológico não seja a explicitação de um ser prévio ou a concepção de uma preexistência, mas a fundação do sentido do ser. O “eu” existe no mundo pelo corpo e é através desta existência que, com o corpo, percebemos o mundo.


Para a fenomenologia da percepção, quando sentimos ou percebemos algo, isso é motivado pelas propriedades ativas com as quais temos contato, e não apenas por simples qualidades lógicas. Por isso, o caminho pelo qual a abordagem fenomenológica transita não tem sentido de método, tampouco deve tal abordagem ser entendida como conclusiva. Pelo contrário, pois abre direções repletas de novas indagações. Ela é transitória e mutante, e dependerá de cada indivíduo que se fizer explorar por seus questionamentos.




BIBLIOGRAFIA:


ABRAMOVIC, Marina. Pelas Paredes: memórias de Marina Abramovic. Editora José Olympio, 2017.

BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Trad. Antônio de Pádua Danesi. Rev. Rosemary Costhek Abílio. São Paulo: Martins fontes, 1993.


DARDEL, Eric. O homem e a terra: natureza da realidade geográfica. Trad. Werther Holzer. São Paulo: Perspectiva, 2011.


FENOMENOLOGIA. In: Priberam da Língua Portuguesa. c2021. Disponível em: <https://dicionario.priberam.org/fenomenologia>. Acesso em: 27 ago. 2019.

HEIDEGGER, Martin. Contribuições à filosofia: do acontecimento apropriador. Trad. Marco Antônio Casanova. Rev. Gabriel Lago Barroso. Rio de Janeiro: Via Vérita, 2015.


HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Petrópolis: Vozes, 2006.


HEIDEGGER, Martin. Construir, habitar, pensar. In: HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferências. Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.


HOLZER, Werther. Ser-na-cidade: por uma arquitetura e urbanismo como lugar. Pensando – Revista de Filosofia, v. 8, n. 16, p. 67-78, 2017.


HOLZER, Werther. Sobre territórios e lugaridades. Revista Digital Cidades, v. 10, n. 17, p. 18-29, 2013.


HOLZER, Werther. A geografia humanista: uma revisão. Espaço e Cultura, Rio de Janeiro, ed. comemorativa, p. 137-147, 1993-2008.


HOLZER, Werther. Paisagem, imaginário, identidade: alternativas para o estudo geográfico. In: ROSENDAHL, Zeny; CORRÊA, Roberto Lobato (Orgs.). Manifestações da cultura no espaço. Rio de Janeiro: UERJ, 1999. p. 149-168.


HOLZER, Werther. Uma discussão fenomenológica sobre os conceitos de paisagem e lugar, território e meio ambiente. Revista Território, v. 2, n. 3, p. 77-85, jul./dez. 1997.


HOLZER, Werther. A geografia humanista: sua trajetória de 1950 a 1990. 1992. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1992.


HUMANIDADE2012/Carla Juaçaba + Bia Lessa. ArchDaily, 05 out. 2012. Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/01-166107/pavilhao-humanidade2012-slash-carla-juacaba-plus-bia-lessa>. Acesso em: 25 jul. 2021.


HUMANISMO. In: Significados. 27 jun. 2019. Disponível em: <https://www.significados.com.br/humanismo/>. Acesso em: 25 nov. 2019.


MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. Trad. Carlos Alberto Ribeiro de Moura. 4. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.


NESBITT, Kate (Org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica 1965-1995. São Paulo: Cosac Naify, 2013.


NORBERG-SCHULZ, Christian. O fenômeno do lugar. In: NESBITT, Kate. Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica 1965-95. São Paulo: Cosac Naify, 2005.


NORBERG-SCHULZ, Christian. Intenciones en arquitectura. Barcelona: Gustavo Gili, 1979a.


NORBERG-SCHULZ, Christian. Genius Loci: towards a phenomenology of architecture. Oslo: Rizzoli, 1979b.


NORBERG-SCHULZ, Christian. Existencia, espacio y arquitectura. Barcelona: Editorial Blume, 1975.


PALLASMAA, Juhani. Habitar. São Paulo: Gustavo Gili, 2017.


PALLASMAA, Juhani. As mãos inteligentes: a sabedoria existencial e corporalizada na arquitetura. Trad. Alexandre Salvaterra. Porto Alegre: Bookman, 2013a.


PALLASMAA, Juhani. A imagem corporificada. Imaginação e imaginário na arquitetura. Porto Alegre: Bookman, 2013b.


SANTOS, Rodrigo G. dos; SILVA, Ramon M. da. Cartas e cartografias urbanas: diálogos sobre a experiência estética num desejo de compreender a cidade contemporânea. Palíndromo, Florianópolis, v. 6, n. 12, p. 114-128, 2014.


TUAN, Yi-Fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. Trad. Lívia de Oliveira. Londrina: Eduel, 2015a. Disponível em: <https://books.google.com.br/books?id=Fqg3DwAAQBAJ&lpg=PP1&dq=inauthor%3A%22Yi-Fu%20Tuan%22&hl=pt-BR&pg=PP1#v=onepage&q&f=false>. Acesso em: 30 mar. 2018.


TUAN, Yi-Fu. Geografía romántica. En busca del paisaje sublime. Edición de Joan Nogué. Madrid: Biblioteca Nueva, 2015b. (Colección: Paisaje y teoria).


TUAN, Yi-Fu. A geografia humanística. In: CHRISTOFOLETTI, Antonio (Org.). Perspectivas da geografia. São Paulo: Difel, 1982. p. 143-164.


TUAN, Yi-Fu. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. São Paulo: Difel, 1980.









 
 
 
bottom of page